Tradução de “So Who’s Giving Guarantees? An Interview with Audre Lorde”, por Anita Cornwell

tammuzs
14 min readAug 12, 2019

Anita Cornwell é uma jornalista e cientista social americana. Negra, feminista e lésbica, nasceu em 1923 e publicou suas reportagens em periódicos, revistas e jornais como Feminist Review, Labyrinth, National Leader, Los Angeles Free Press e The Negro Digest. Aos 60 anos publicou “Black Lesbian in White America” (1983, Naiad Press) o primeiro livro de ensaios publicado por uma lésbica negra norte americana. Também publicou The Girls of Summer (1989, ficção).

Cornwell entrevistou Audre Lorde em 1977. A longa conversa é publicada na quarta edição da revista Sinister Wisdom, dividida em duas partes. Na primeira, Lorde conta para Cornwell como é o seu processo de escrita e como lida com suas dores e aprendizados. Já na segunda, Cornwell aproveita para relembrar uma trecho de uma conversa que teve com Lorde dois anos antes, quando a poeta esteve em sua casa para uma roda de poesia e ser entrevistada para seu então futuro livro, Black Lesbian in White America.

Audre Lorde em Berlim. Copyright Dagmar Schultz — 1988–1992.

Na época da entrevista, Lorde tinha apenas lançados livros de poesia, sendo o mais recente Between Ourselves (1976, Eidolon Editions). Trabalhava como professora de Inglês na John Jay College of Criminal Justice e se associou à WIPF — Women’s Institute for Freedom of the Press, organização americana sem fins lucrativos de pesquisa, educação e publicação, que até hoje trabalha para aumentar a comunicação entre as mulheres e alcançar público com a experiência, perspectiva e opiniões de suas associadas. Nos anos de 1977 e 1978 teve um romance com a pintora e escultora Mildred Thompson. As duas se conheceram em 1977, na Nigéria, no famoso FESTAC ‘77 (Second World Black and frican Festival of Arts and Culture).

As perguntas foram emitidas na forma comum de entrevista na publicação original. Podemos ver que Lorde costuma repetir as perguntas que Cornwell faz com o intuito de assimilar melhor o que lhe está sendo perguntado. Também podemos ver Lorde em sua melhor forma de poeta — ainda não tendo publicado ensaios, a conversa é rica figuras de linguagem.

“Então, quem está dando garantias?”
Entrevista com Audre Lorde

por Anita Cornwell

Sou Negra, Mulher e Poeta — todos os três são fatores fora do âmbito da escolha. Meus olhos são uns dos responsáveis pela minha visão, meu fôlego pela minha respiração; e em tudo isso sou quem eu sou. Todos que amo fazem parte do meu povo; não é simples. Não nasci em uma fazenda ou em uma floresta, mas no centro da maior cidade do mundo — um membro da raça humana cercada por pedras e longe da terra e da luz do sol. Mas aquilo que está no meu sangue e na minha rica pele — de terra marrom, sol do meio dia e de força para amá-los — vem do outro lado da África, das ilhas de sol até a costa cheia de rochas; estes são os dons e é por meio deles que canto o que vejo.
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Trecho da declaração poética escrita por Audre Lorde para a Anthology Heritage, Sixes and Sevens, publicada em 1962.

Como eu trabalho? Trabalho com muita dificuldade. Realmente, às vezes é difícil para mim explorar a fonte de sentimentos, essa força da qual eu tenho que escrever, não importa de que mundo é o poema que estou tentando escrever. Também é difícil porque eu faço muitas coisas. E então eu tento me disciplinar, o tipo de disciplina que nem sempre funciona.

Há sempre uma centena de outras coisas, legítimas, necessárias, me pressionando para que eu possa escapar do meu trabalho. Por isso tenho de ter cuidado, porque a minha poesia é o que me completa. O que estou tentando fazer, o que estou tentando dizer, o que sei dentro de mim: esse é o meu trabalho. Tento trabalhar todos os dias, mas às vezes isso significa apenas pequenas anotações no diário ou simplesmente me prendendo a esse tipo de autoconsciência que quero sentir, o que quero registrar.

Que tipo de autoconsciência? Uma consciência de si, uma consciência de sentimento, de ser, de compartilhar. Eu tento fazer algum tipo de escrita formal toda semana. Também tento fazer isso moldando o poema — o corte seco— pelo menos uma vez por semana. Mas, novamente, é mais moderado, às vezes menos. Além disso, sempre carrego comigo um diário para escrever pensamentos, trechos, impressões, etc. Uso muitos papéis coloridos quando trabalho com isso. Amo cores. Azul é para o primeiro rascunho, geralmente digitado na máquina de escrever porque isso tira a emoção. Posso ver a emoção na minha letra. Posso ver o que me tocou enquanto escrevia.

Então eu passo para a máquina de escrever, porque digitado é sem graça e neutro. Assim posso começar a trabalhar com isso. Às vezes, digito um poema seis ou sete vezes em uma sessão, que é parte de um processo que eu gosto. É um processo de edição. É também um processo pelo qual me apego à experiência, à memória e à tocar novamente aquilo que estava sentido. E isso às vezes é muito doloroso. Sim, escrever é difícil, mas é como respirar. É algo que tenho que fazer para permanecer viva.

O que aconteceria se não houvesse nada em meu diário com o qual eu quisesse trabalhar a qualquer momento? Bom, sempre tenho pilhas e mais pilhas de coisas, estou muito atrasada. Tenho um ano de coisas paradas! Tem até dois ou três diários que eu não consegui olhar direito.Às vezes deixo de lado coisas que não me tocam. Então, quando for a hora certa, eu volto para elas e algo clica. Além disso, há sempre muito material para retrabalhar e muita coisa para reescrever. Às vezes, quando não suporto entrar no centro de mim, começo a revisitar essas coisas. É como entrar em mim pelas portas dos fundos. Sabe?

Sim, às vezes acho que meu material é doloroso. No entanto, a verdade nunca é sem dor, porque se você a está procurando, isso significa que você ainda não a conhece. E se você ainda não a conhece, está funcionando sem ela. E se você está funcionando sem a verdade, há um ajuste quando você começa a conhecê-la. Portanto, sempre deve haver um tipo ou outro de dor, apenas aquilo que chamamos de trabalho. Trabalho duro.

Então, talvez, começaremos a distinguir entre o que é trabalho duro e o que é dor. Eu uso a palavra dor para falar daquelas coisas que alguém evitaria, assim como aquelas coisas que são tão difíceis que tentam superar o seu melhor. Chamamos essas duas coisas de dor, mas há uma diferença. Um dá resultados. Certo? Uma é uma experiência de aprendizagem e a outra é desperdício.

Como? A dor inútil é o maior desperdício. Qual dor é inútil? A dor que é uma distorção. A dor que vem da falta de verdade, que vem de coisas fora de ordem. A dor que vem de um distúrbio. Esse tipo de dor se opõe à dor que vem de ser tentada além do seu melhor. Eventualmente, essa dor se transforma em conhecimento. A outra dor pode terminar ou se transformar em outra coisa, mas freqüentemente não se sabe. Então eu chamo isso de lixo, embora isso possa ser falta de visão minha. Claro que estou falando em termos mais amplos do que apenas de nós como escritores. Como escritores, compartilhamos um conhecimento duplo que é tanto torturante quanto triunfante. Certo? Um conhecimento que é difícil de suportar e ainda é a nossa salvação. Em certo sentido, a escrita é apenas um veículo ou uma ferramenta. Não é assim? Arte é propósito. A arte e o propósito de viver sendo o mesmo…

Se eu já tive problemas com pessoas tentando se relacionar comigo por causa do meu trabalho e não por causa de mim mesma? Bem, chega a um ponto, você sabe, que não se consegue mais separar o eu da poesia. Simplesmente não posso dizer “Só estão interessados em mim porque sou poeta, não por causa de quem sou”. Porque eventualmente o poeta e o seu tornam-se sinônimos. Nós todos chegamos a esse ponto. Quando digo “sou Mulher, Negra e Poeta”, eu realmente quero dizer isso. Não é algo que eu possa separar.

É uma questão de onde você centraliza sua identidade. A maioria dos jovens ainda está tentando se definir, então eles se movem em direção àqueles que sentem que têm algum tipo de definição pronta. Claro, estou apenas falando como me sinto, como me movo. Muitas coisas eu apenas levo de boa fé. Como, por exemplo, quantos anos levei para confiar na maneira como as raízes do meu cabelo se sentem? Certo? Então, quando eu fico com a pulga atrás da orelha, sei que minha intuição está querendo me dizer algo. Quero dizer, eu não tenho que esperar por uma dor de cabeça, um ataque de úlcera, gastroenterite ou espinhas no meu rosto. Eu posso sentir aquele cílio esquerdo tremer e digo “Ei, isso mesmo!” Essas são as coisas que você usa para contar. Além disso, quem está dando garantias?

Você se move e se move mais e com fluidez. Você se move mais e de um jeito mais a vontade até que não haja mais nada a temer, sabe? Claro, posso estar errada a qualquer momento! Mas e daí? O pior que isso pode significar é a morte. Ou dor. Mas a dor muda ou pára. Aprendi isso, não apenas na minha cabeça, mas comecei a conhecer, então eu nem precisei entender. Uma vez comecei a realmente saber do que estou falando. Comecei a sentir isso. Baby, foi como se tornar Mulher Maravilha! Não em termos de poder extra, mas em ter meu próprio poder.

Quando isso aconteceu? Bem… tem sido uma longa jornada, baby. Há pedaços disso ao longo do meu caminho. O último pedaço me apareceu recentemente, há cerca de um ano. Como Sister Gertie disse, “as mensagens são recebidas o tempo todo!”

Então, essa foi o pedaço que apareceu há um ano. Bem… para conectar o que é físico e o que é outro — o que chama de outro — o resto do tempo é muito difícil, mas consegui. E agora você vai perguntar: “Como você fez isso, Audre?” Bom, temos que voltar ao processo físico. Eu quase morri. Logo após o lançamento do meu primeiro livro, no Natal de 1967. Peguei uma gripe, mas fiquei muito mal. E minha vida realmente mudou! Uma viagem estranha, querida, deixa eu te contar…

Na época eu não sabia o quão dramático isso era, mas enquanto eu estava me recuperando (daquela gripe), alguém do National Endowment to the Arts ligou a respeito de uma bolsa na Tougaloo University, onde participei como poeta em residência na primavera de 68. Várias coisas aconteceram lá. Antes de mais nada, conheci Frances. Ela era professora visitante da Brown University. E, claro, o que encontrei em Tougaloo com os jovens na oficina de poesia foi uma experiência intensa e muito crítica. Eu senti que estava usando toda a minha capacidade, e foi emocionante. Quando falo em capacidade, falo da sensação de estar cheia daquilo que se faz para que não haja espaço para hesitação ou censura. É uma sensação terrivelmente sedutora e é uma sensação que valorizo.

II

Audre Lorde uma vez contou para uma platéia que escreveu sobre o que viveu e que fala de todas as coisas que quer definir. Até o momento, publicou seis volumes de poesia e tem um sétimo livro, THE BLACK WOMAN, pronto para ser publicado. Seu terceiro livro, FROM A LAND WHERE OTHER PEOPLE LIVE, foi indicado em 1973 ao National Book Award. Numa tarde de verão no final de Maio de 1975, Lorde dirigiu de sua casa em Staten Island até a minha, em Powelton Village, na Filadélfia, para participar de uma leitura de poesia naquela noite e para que eu pudesse entrevistá-la para meu livro de entrevistas com nove mulheres da atualidade. Quando lhe pedi para me contar algo do começo de sua vida, um sorriso irônico tocou sua boca, e ela contou, num tom zombeteiro:

Fiz colegial na Hunter High School. Era a escola para crianças excepcionais! E como esse pontinho preto conseguiu entrar é mais do que podemos lidar... Mas a coisa mais legal que me lembro é meu pai brigando com as freiras para que elas me autorizassem a fazer a prova para entrar na escola.

Nós tínhamos acabado de nos mudar para o bairro e fomos os primeiros Negros no quarteirão, num pequeno apartamento. E, logo depois que nos mudamos, fiquei sabendo que nosso locatário havia se enforcado em nosso porão, porque as coisas estavam tão ruins para ele que teve que começar a alugar para Negros. E todos na St. Catherine estavam comentando sobre isso.

Realmente, acho que hoje ficaria louca se não tivesse ido para a Hunter High School. Tive sorte na vida porque tentei muito. Mas encontrei as pessoas certas no momento certo e isso realmente ajudou porque, do contrário, eu não estaria aqui. A Hunter High School era assim para mim. Me salvou. Me ajudou a manter minha sanidade mental quando eu estava no limite. Eu era uma criança muito perturbada —

Por que eu era perturbada? Era perturbada porque suportava o peso da sensibilidade torturante da qual não havia escapatória porque eu era Negra e Mulher. E acho que nasci sabendo que há certas maneiras que alguém poderia viver, então quando você estava vivendo de uma maneira que não fazia parte delas, o que se podia fazer era gritar!

Você não aguentava, você não dava a outra face para bater. Você gritava! E eu gritava muito e muito alto. Mas meus pais eram ocidentais e não gritavam. Então, por que fui torturada? Porque eu não conseguia me expressar. Porque não estava recebendo as ferramentas para lidar com o mundo que eu vivia. E não tinha como lidar com o ódio e a fúria dento de mim. E porque eu sentia que não era amada, e deveria ser doce e quieta, o que eu não era.

Por que as crianças sofrem? Por que eles morrem? Por que eles enlouquecem? Porque vivemos em uma sociedade anormal, doente e insana, e nossos pais tentam nos criar como se não fosse assim.

Não, eu não acho que não fui amada… Acho que meus pais falavam uma língua que, por algum motivo, não consegui ouvir. Ou não queria ouvir. Eu era uma criança difícil. Era selvagem. Era como um vento forte! Ficava quieta quando deveria falar e falava alto quando deveria ficar de boca fechada. E eu queria muitas coisas! Queria coisas que meus pais não estavam dispostos a me dar. Tenho duas irmãs mais velhas mas, em muitos aspectos, cresci como se fosse filha única.

Então, o que aconteceu comigo quando entrei na Hunter High? Sim, conheci professores. Conheci garotas. Era uma escola só de garotas, sabe? E elas eram todas muito brilhantes e andavam juntas. Isso realmente mexeu comigo. Havia uma espécie de solidão lá também, mas eu não estava em sintonia o suficiente para lidar com isso. E também não reconheci naqueles anos o tipo de falta que era. Quer dizer, tinha pouquíssimas Negras como nós lá.

Mas um episódio fundamental aconteceu no meu segundo ano na Hunter. Um dia, Pearl Primas (sic) foi à escola. Ela se formou pela Hunter High School. Tinha acabado de voltar da África, da sua primeira bolsa de pesquisas lá. Pearl Primas — linda, gorda, Negra, maravilhosa! Ela nos contou sobre a África e sobre mulheres africanas. Conversou com a gente sobre Negritude e beleza. Lá em cima, com 700 alunas da Hunter High School, eu assisti e devorei aquelas palavras. Não podia acreditar no que aquela mulher estava dizendo pra mim!

O que mais aconteceu comigo lá? Sim, foi a atmosfera. Eu era livre para pensar, tinha um lugar onde não era reprimida, onde minha cabeça não estava constantemente desligada. Onde, quando escrevia um poema ou algo do tipo, minha mãe não dizia “É melhor você ter cuidado, Criança. Entre vocês, vocês não percebem como é o mundo. As pessoas vão achar você estranha!

Teve a Genevieve, que conheci… e amei muito. Praticamente todos os meus poemas sobre memórias em quase todos meus livros são para ela. Ela se matou. Nós tínhamos dezesseis anos…

Se ela era talentosa? Demais. Ela escrevia e dançava. Era como uma estrela cadente. Da primeira vez que a vi, achei que não ia gostar dela porque ela era muito aberta e superficial. Éramos completamente opostas. Eu era fechada, retraída. Mas assim que a conheci melhor, pude ver seu outro lado, que era apenas um. Era como se fosse uma máscara, e eu nunca conheci alguém que fingia tão encantadoramente bem assim. Então a amei, e ela me amou e precisou de mim, da maneira que crianças precisam de alguém.

Ela se matou porque estava triste, porque não acreditava que alguma coisa no seu mundo poderia melhorar isso. Quando algumas pessoas acreditam em algo, eles continuam acreditando porque tem fé que o amanhã vai ser melhor. Genevieve nunca acreditou nisso. E quando veio a dor, ninguém tinha dado à ela algo para acreditar, para ter fé enquanto a tempestade não cessava. Ela tinha muita raiva, como todos nós. Mas ela virou sua raiva para dentro dela. E naquele último momento, ela virou-se para dentro de si.

Sim, eu vejo Ginny com frequência! Ela não tinha ninguém a quem recorrer, exceto eu, e eu tinha minha própria dor. Não tinha ninguém para ela conversar. Nós não tínhamos ninguém em quem se espelhar naquela época, sabe. Estávamos perdidas. Andando por aí. Éramos filhas de nós mesmas.

Costumávamos fingir muito. Costumávamos nos aconchegar na cama e fingir que nos amávamos para que não tivesse que lhe dar com a coisa real. Ou, melhor, nós pensávamos que fingiam, mas não estávamos fingindo, sabe? Nunca falamos dos nossos sentimentos. Eu sei como me sentia, e acho que ela sabia como se sentia.

Nunca acreditei que eu era importante para ela como ela era para mim. Só quando ela morreu e a mãe dela conversou comigo e disse que eu era sua melhor amiga e tudo mais. Eu sabia que ela ia se matar. Ela saiu da Hunter e foi para outra escola porque queria se formar em dança. Naquele dia nos encontramos — eu estava em dia de prova — e saí mais cedo. Cabulei o resto das aulas e de tarde fomos ao Central Park.

Ginny comprou umas cápsulas, me disse que ia se matar. Não, ela não me disse… ela tinha tentado se matar no ano passado. Cortou os pulsos e sua avó encontrou ela a tempo. Foi então que a mãe dela mandou ela morar com o pai, que ela tinha acabado de conhecer. Nunca tinha visto ele antes, mas foi morar com ele e outra mulher. E algumas coisas ruins aconteciam naquela casa. Às vezes ele batia nela…Um dia ela apareceu na minha casa às nove da noite, coisa que meus pais proibiam. Queria que ela ficasse, mas nunca levávamos amigas para passar a noite, sabe. Então disse que ela tinha que voltar pra casa dela. E ela foi. E aí nós discutimos e não nos falamos por três semanas. Pareceu uma eternidade.

Em Fevereiro — mais ou menos um mês antes de sua morte — nos encontramos. Foi muito bom vê-la novamente — Bem, Ginny achava que não podia voltar para a casa da mãe, e não tinha nenhum outro lugar para morar. Ela não tinha o que fazer. Sim, eu sabia que ela ia se matar. Ou parte de mim sabia. Sei lá. O que se sabe quando se tem dezesseis anos? Eu esperava que ela não tivesse coragem, e me sentia impotente para impedi-la, então eu rezava. E você sabe o quanto isso é bom!

Então fui para casa. Seu pai me ligou aquela noite perguntando se eu tinha visto Ginny, e eu menti. Ele disse que ela não voltou para casa, e eu sabia que ela iria se matar. Mas não disse nada. O que eu poderia dizer? Na manhã seguinte seu pai ligou para informar que ela estava no Harlem Hospital. Ela tinha andado de metrô a noite toda e tinha engolido as cápsulas, que encheu com arsênico.

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Frances Clayton, esquerda, e Audre Lorde em Staten Island, 1981. Foto do livro “Making a Way: Lesbians Out Front” de Joan E. Biren (Glad Hag Books, 1987).

Frances: Em 1968, Lorde deu oficinas de poesia na Tougaloo University. Lá conheceu Frances Clayton, branca, professora de Psicologia em residência pela Brown University. As duas viveram juntas por 21 anos, sendo 15 deles em Staten Island. Clayton morreu em 2012.

Genevieve: Genevieve “Gennie” Thompson. É citada em alguns poemas de Lorde, como “A Birthday Memorial to Seventh Street”, “Memorial I”, “Memorial III, From a Phone Booth on Broadway”, “Memorial IV” e “Restoration: A Memorial — 9/18/91”.

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Tradução de Thamires Zabotto.

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